Terceiro colocado na eleição presidencial, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em
entrevista à Folha, que foi “miseravelmente traído” pelo ex-presidente Lula e
seus “asseclas”.
Em seu
apartamento, onde concedeu nesta terça-feira (30) sua primeira entrevista desde
a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), Ciro nega ter lavado as mãos ao ter viajado
para a Europa depois do primeiro turno. “A gente trai quando dá a palavra e faz
o oposto”.
“Não
declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT”, disse. O pedetista
critica a atuação do PT para impedir o apoio do PSB à sua candidatura e diz que
considerou um insulto convite de Lula para assumir o papel de seu vice no lugar
Fernando Haddad (PT).
No primeiro turno, o senhor afirmou que choraria e deixaria a política se Bolsonaro ganhasse. Deixará a vida pública? Eu disse isso comovidamente porque um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.
No primeiro turno, o senhor afirmou que choraria e deixaria a política se Bolsonaro ganhasse. Deixará a vida pública? Eu disse isso comovidamente porque um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.
E
não tomou uma decisão se será candidato em 2022? Não. Quem conhece o Brasil sabe que você
afirmar uma candidatura a 2022 é um mero exercício de especulação, porque a
adrenalina não pacificou. Só essa cúpula exacerbada do PT é que já começou a
campanha de agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia. Acho que o país
precisa se renovar.
O
senhor disse que deixaria a vida pública porque a razão de estar na política é
confiar no povo brasileiro. Deixou de confiar? Não, procurei entender o que aconteceu. Esse
distanciamento me permitiu isso. O que aconteceu foi uma reação impensada,
espécie de histeria coletiva a um conjunto muito grave de fatores que dão razão
a uma fração importante dessa maioria que votou no Bolsonaro. O lulopetismo
virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é
a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na
hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de
fascista. Eu não, de forma nenhuma.
Naquele
momento do país, uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso? [Ciro viajou para Portugal, Itália e França
após o 1º turno] Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta impotência.
Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos lutando.
Com
a sua postura de neutralidade, não lavou as mãos em um momento importante para
o país? Não foi
neutralidade. Quem declara o que eu declarei não está neutro. Agora, o que
estava dizendo, por uma razão prática, não iria com eles se fossem vitoriosos,
já estaria na oposição. Mas estava flagrante que já estava perdida a eleição.
Por
não ter declarado voto, não teme ser visto como um traidor pelos eleitores de
esquerda? A gente trai
quando dá a palavra e faz o oposto. Quem tiver prestado a atenção no que falei,
está muito clara a minha posição de que com o PT eu não iria.
Não
se aliará mais ao PT? Não,
se eu puder, não quero mais fazer campanha para o PT. Evidente, você acha que
eu votei em quem?
No
Haddad? Vou continuar
calado, mas você acha que votei em quem com a minha história? Eles podem
inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo Boff [que criticou
Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí porque não
atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff sobre o
mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira
da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na Transpetro, Sérgio
Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se corrompeu por isso,
porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de condescendências.
Quem
são os bajuladores? É
tudo. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto. Só a turma dele. Cadê os
críticos? Quem disse a ele que não pode fazer o que ele fez? Que não pode
fraudar a opinião pública do país, mentindo que era candidato?
Por que o
senhor não aceitou ser candidato a vice-presidente de Lula? Porque isso é uma
fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses fanáticos do PT não
sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão
que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado.
Por
que não declarou voto em Haddad? Aquilo era trivial. O meu irmão foi a um ato de apoio a Haddad,
depois de tudo o que viu acontecendo de mesquinho, pusilânime e inescrupuloso.
É muito engraçado o petismo ululante. É igual o bolsominion, rigorosamente a
mesma coisa. O Cid está lá tentando elaborar uma fórmula de subverter o quadro
e é vaiado. Estou devendo o que ao PT?
Não
declarou voto no Haddad por causa do Lula? Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha
com o PT. Agora, em uma eleição que tem só dois candidatos, na noite do
primeiro turno, disse à imprensa: “Ele não”. O que ele quer mais agora?
Cid Gomes
cobrou uma autocrítica dos petistas. E quais foram os erros cometidos pelos
pedetistas? Devemos ter cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas, nesse
contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram
para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo.
Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana.
Isso
por Lula? Pelo
ex-presidente Lula e seus asseclas. Você imagina conseguir do PSB neutralidade
trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que foi feito isso? De
qual espírito público, razão nacional, interesse popular? Projeto de poder
miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu Bolsonaro.
Todas as
pesquisas, não sou eu quem estou dizendo, dizem isso. O Haddad é uma boa
pessoa, mas ele, jamais, se fosse uma pessoa que tivesse mais fibra, deveria
ter aceito esse papelão. Toda segunda ir lá [visitar Lula], rapaz. Quem acha
que o povo vai eleger pessoa assim? Lula nunca permitiu nascer ninguém perto
dele. E eles empurram para a direita, que é o querem fazer comigo.
A
postura do senhor não inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda? Não quero participar dessa aglutinação de
esquerda. Isso sempre foi sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero
fundar um novo campo, onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com
ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o
velho caudilhismo populista sul-americano.
Folha de São Paulo
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