Os dados são da segunda etapa do estudo inédito Além Do Cyberbulliny: A Violência Real Do Mundo Virtual, desenvolvido pelo Instituto Avon em conjunto com a Decode, empresa especializada em pesquisa digital.
O resultado corresponde ao período entre julho de 2020 e fevereiro de 2021, quando estavam em vigor as medidas de isolamento social e de fechamento de espaços. A outra etapa do estudo foi realizada antes da pandemia de covid-19, entre janeiro de 2019 e março de 2020.
Para investigar a violência de gênero na internet, o estudo analisou mais de 286 mil vídeos, 154 mil menções, comentários e reações na forma de curtidas, compartilhamentos e repercussões que ocorreram em ambientes digitais, e mais de 164 mil postagens de notícias sobre o tema.
Outra conclusão da pesquisa relacionada ao período de pandemia é que metade dos casos de assédio envolve recebimento de mensagens não consensuais com conteúdo de conotação sexual. Foi relatado ainda o envio de fotos íntimas e comentários de ódio contra as mulheres. Ex-companheiros são ligados a 84% dos relatos de stalking, que são casos de perseguição praticada em meios digitais.
“Boa parte de vazamentos de nudes envolve ex-companheiros, ex-parceiros, pessoas que receberam materiais enviados de forma consentida, só que não era consentido que eles espalhassem a seu bel-prazer”, disse a coordenadora de pesquisa e impacto do Instituto Avon, Beatriz Accioly, em entrevista à Agência Brasil.
O levantamento identificou três formas de propagação de violência no ambiente digital. A descentralizada, que é a violência cometida diariamente contra mulheres e meninas. A ordenada, que ocorre a partir de grupos organizados de ataques, humilhações e exposições. Além da que resulta do ato de compartilhar conteúdos íntimos sem o consentimento ou a autorização dos envolvidos. Os pesquisadores observaram que as formas mais comuns de propagação de violências contra meninas e mulheres na internet são o assédio, o vazamento de nudes, a perseguição/stalking e o registro de imagens sem consentimento.
“Aí tudo piorou em relação à ansiedade. Eu parei de sair, não só por causa da pandemia. Não ia nem buscar o pão na padaria, que é perto de casa. Parei de sair, fechei as redes sociais, me fechei na questão psicológica emocional não só física, de sair da rua. No fim do ano passado, essa pessoa tentou se aproximar de novo pelo perfil fake e aí mais crise de ansiedade. Neste ano, essa pessoa, com o perfil pessoal mesmo, tentou chegar perto dos meus amigos, dizendo ‘preciso falar muito com ela. Gosto muito dela. Preciso saber como ela está’. Fiquei muito apavorada”, contou à Agência Brasil.
O abalo emocional levou a estudante a fazer tratamento com uma psicóloga. “Hoje estou melhor até para falar sobre isso, mas foi uma fase bem pesada. Colho os frutos disso até hoje, porque não me sinto à vontade para postar coisas, penso trezentas vezes antes de postar algo refletindo sobre o caso de alguém printar e mandar para tal pessoa. Emocionalmente, sinto que ainda estou muito presa a isso”.
Além disso, quase 15% se sentiram culpadas e cerca de 36% demonstraram sentimento de desespero para saber como tirar o conteúdo do ar ou quais medidas judiciais seriam cabíveis e rápidas. “A gente conseguiu trazer, com essa pesquisa, os impactos reais dessas violências. Eles são muito graves e vão desde desenvolver medo de sair de casa, sair das redes sociais, ou seja, têm grande impacto sobre a liberdade de expressão e as formas de interação. A gente usa a internet para procurar emprego, para trabalhar, para uma série de coisas, não é só para entretenimento e divertimento”.
“As emoções que estão em jogo, com desenvolvimento de ansiedade, estresse crônico, medo, angústia têm impacto forte nas relações dessas mulheres com as suas famílias e sua rede de apoio. Para mim, a grande mensagem da pesquisa é que o impacto do online não é menos real do que a gente acha que é a interação real. O virtual também é real”.
Segundo Beatriz, a pesquisa mostrou ainda que vídeos de meninas e mulheres sendo violentadas, enquanto estão inconscientes por estarem dormindo, medicadas, alcoolizadas ou sob efeito de drogas, têm volume expressivo de visualizações. Entre janeiro de 2019 e março de 2020 foram cerca de 25.9 bilhões.
A coordenadora disse que o acesso às plataformas e o consumo de pornografia não são crimes, mas a questão é que nesses locais há uma quantidade significativa de conteúdo que indicam serem vídeos com atos de violência. “O problema não é a pornografia em si, mas os perigos ocultos dessa pornografia amadora que vai parar nessas plataformas”.
Também na análise feita no período da pandemia, foi observada alta de 44% nos relatos de assédios de professores, tutores e educadores, que passaram a ter mais contato com as vítimas, por meio de aulas remotas. Conforme os dados, houve uma média de 36 relatos mensais sobre violências de professores contra alunas no digital.
“Tem o marco civil da internet, tem outras leis específicas como a Lei Carolina Dieckmann, que diz respeito à invasão de dispositivos ou mesmo a Lei Lola, de investigação de crimes que indiquem a desqualificação de mulheres e discursos de ódio. Mas, para ganhar vida, a lei precisa ser manuseada por profissionais de diferentes áreas do sistema de Justiça, de segurança pública. É preciso que haja a mudança de mentalidade na sociedade e também dos profissionais de que o que ocorre em meios digitais não é menos grave do que acontece em ambientes físicos”, completou.
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que 95% de todas as ações agressivas e difamadoras na internet têm as mulheres como alvos. O Instituto Avon espera que a partir do levantamento “mulheres reconheçam, identifiquem e saibam como agir para combater a violência nas redes, propiciando o debate e as denúncias de abusos e violência digital”.
Via: Agencia Brasil
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