O universo microscópico de
hospitais, muitas vezes invisível, pode estar revelando alianças inesperadas.
Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publicada
no periódico Frontiers in Fungal Biology, traz à tona uma nova
descoberta. De acordo com o estudo, a bactéria Pseudomonas aeruginosa, já
conhecida por causar infecções graves, pode, na verdade, ter um papel benéfico
ao inibir o crescimento do Candida auris, o superfungo multirresistente que desafia
a medicina.
A pesquisa, fruto do trabalho
de cientistas como Ana Beatriz Macedo, Danielle Figueredo e o professor Rafael
Wesley Bastos, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFRN e do
Grupo de Estudo de Ações em Saúde Única (GEASU-RN), abre uma frente de estudo
importante sobre a dinâmica entre microrganismos. “Candida auris foi incluída
pela OMS na lista de patógenos fúngicos prioritários”, afirma Rafael Bastos ao
explicar sua gravidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) construiu essa
lista como esforço global para identificar e classificar os fungos que
representam maior ameaça à saúde pública mundial.
A bactéria Pseudomonas
aeruginosa, por sua vez, é igualmente uma das principais causas de infecções
hospitalares, sendo capaz de sobreviver em ambientes úmidos e formar biofilmes.
Ambos podem coexistir em pacientes, o que torna a descoberta de sua interação
ainda mais relevante.
Para desvendar esse fenômeno,
a equipe utilizou uma metodologia baseada em experimentos de cultivo onde a
bactéria e o fungo foram colocados para crescerem juntos em laboratório. Por
meio de técnicas avançadas, como a microscopia de fluorescência, que diferencia
células vivas de mortas, a pesquisa confirmou que a P. aeruginosa não mata o
fungo, mas freia seu avanço, em um efeito que os cientistas classificam como
fungistático. O estudo mostrou ainda que o fenômeno acontece por meio de
moléculas secretadas pela bactéria.
Uma das revelações mais
interessantes é o papel do ferro nesse antagonismo. Segundo Rafael Bastos, a
“briga por ferro” é um mecanismo de defesa comum em nosso organismo contra
patógenos. O que a pesquisa da UFRN demonstra é que essa mesma disputa parece acontecer
entre os microrganismos. “A P. aeruginosa parece secretar
alguma substância que indisponibiliza o ferro do meio de cultura para C.
auris, impedindo seu crescimento”, detalha. A adição de mais ferro no meio
de cultura foi capaz de reduzir a inibição, reforçando essa hipótese, embora
não a elimine por completo, sugerindo que outros mecanismos também estão em
jogo.
O estudo não apenas amplia a
compreensão das interações microbianas, mas também aponta para direções futuras
de pesquisa e o potencial para novas terapias. A equipe agora se dedica a
identificar e caracterizar quimicamente as moléculas responsáveis pela inibição,
além de investigar o fenômeno em modelos mais próximos da realidade clínica. O
professor destaca que a pesquisa pode inspirar novas estratégias de biocontrole
ou uso de metabólitos bacterianos como antifúngicos alternativos. Uma promessa
significativa na luta contra as infecções hospitalares.


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