Muitos dirão que, comparadas com as multidões maciças da
jornada de 2013, as eloquentes manifestações anti-Bolsonaro
deste sábado foram miúdas. Outros alegarão que os atos pró-Bolsonaro, mais mixurucas,
crescerão a partir deste domingo, para indicar que o pedaço do eleitorado
avesso à volta do PT ao poder não pode ser negligenciado. Quem olhar para o
asfalto com as lentes caolhas e reducionistas da polarização arrisca-se a
perder a essência do que está se passando.
São quatro as
mais importantes, as mais básicas características de Sua Excelência o fato. Eis
a primeira e mais óbvia constatação: a sociedade brasileira está trincada. A
segunda obviedade é alarmante: as eleições presidenciais de 2018 não devolverão
o sossego ao país. A terceira percepção é inquietante: Jair Bolsonaro e Fernando
Haddad, líder e vice-líder das pesquisas, apresentam-se como solução sem se dar
conta de que são parte do problema. A quarta evidência é exasperante: o que se
vê nas ruas é apenas o nariz daquilo que Juscelino Kubitschek apelidou de ”o
monstro”.
Na definição
de Juscelino, o monstro é a opinião pública. Em 2013, a criatura também ganhou
as ruas aos poucos. Do dia para a noite, o que parecia ser uma revolta juvenil
contra o reajuste de passagens de transportes coletivos virou uma revolta
difusa contra a roubalheira dos agentes políticos e a precariedade dos serviços
públicos. O monstro exibiu-se de corpo inteiro. Ele estava em toda parte: nas
camisetas, nas faixas, nos broches, nas panelas que soaram nas varandas dos
edifícios chiques, na fila da clientela miserável do SUS e, sobretudo, na Praça
dos Três Poderes.
Atordoados,
os alvos da revolta reagiram da pior maneira. Os partidos deflagraram um
movimento de blindagem dos seus corruptos contra a Lava Jato. O monstro
desligou-os da tomada. Dilma Rousseff, a presidente de então, acenou com um
lote de cinco pactos. Ganha um doce quem for capaz de citar um dos pactos de
madame. Sobreveio a sucessão encarniçada de 2014.
Dilma prevaleceu com um discurso marqueteiro de “mudança com
continuidade”. Deu em estelionato eleitoral, no impeachment e na prisão de
Lula. Aécio Neves, que emergira das urnas como um derrotado favorito a virar
presidente na sucessão seguinte, dissolveu sua liderança na mesma lama que
engolfou a biografia e a agenda pseudo-reformista de Michel Temer. Deu no que
está dando: a ferrugem do tucanato, a fragmentação do chamado centro político e
o solidificação de Bolsonaro como alternativa das forças antipetistas.
Com 28% das
intenções de voto, Bolsonaro esgrime uma agenda proterozoica em que se misturam
coisas tão abjetas como a defesa da tortura, a distribuição de armas, o
desapreço às mulheres e o desprezo aos direitos das minorias. Como se fosse
pouco, o capitão carrega na vice um general radioativo e cospe nas urnas
eletrônicas que lhe serviram mais de duas décadas de mandatos parlamentares.
Sapateia sobre as mais elementares noções de democracia ao avisar que não
reconhecerá nenhum resultado que não seja a sua vitória.
No outro
extremo está Haddad. Com 22% no Datafolha, a caminho de um empatetécnico
com o líder, ele despacha semanalmente com o oráculo da cadeia de Curitiba.
Frequenta os palanques com a máscara de Lula, estimulando a suspeita de que,
eleito, terceirizará o mandato presidencial ao padrinho presidiário. Neste
domingo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, gritava palavras de ordem contra
Bolsonaro numa manifestação em Curitiba. Seu protesto soa ridículo quando se
recorda que a mesma Gleisi lançou há sete meses um manifesto intitulado
“Eleição sem Lula é fraude.” Algo que Haddad se absteve de desdizer.
A caminho do
segundo turno, Bolsonaro e Haddad são cabos eleitorais um do outro. Quem
rejeita o capitão pende para o poste de Lula. E vice-versa. Nesse contexto, a
corrida presidencial resultará na eleição do presidente da exclusão, não no
mandatário da preferência do eleitorado. A essa altura, os dois extremos já
deveriam ter notado que não há alternativa senão o respeito incondicional às
regras do jogo, a moderação do discurso e o aceno ao bom-senso.
A insensatez
conduz ao estilhaçamento dos valores democráticos. A incapacidade dos atores
políticos de produzir algo que se pareça com um acordo elementar contra a
produção de sandices devolveu a crise às ruas a uma semana do primeiro turno da
eleição. Mantida a atmosfera de crispação, o país logo enxergará o monstro que
se esconde atrás do nariz. No limite, o próximo presidente, seja ele quem for, já
assumirá carregando no peito uma interrogação no lugar da faixa presidencial:
Será que termina o mandato?
Via: JOSIAS
DE SOUZA
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